Esta frase faz-me lembrar aquela que, quem frequenta as nossas ilhas, diz: hoje ( ou amanhã) vou a terra! Ouvi isto tantas vezes, especialmente durante a minha infância e adolescência...
As idas a terra eram racionadas, bem como os bens que se trazia no barco. Não que houvesse contenção, mas o transporte de grandes quantidades de mantimentos era humanamente impossível. Era, e ainda é, uma logística complicada: de casa ou do mercado até ao cais; do cais até ao barco; do barco até ao outro cais - ou ponte, como lhe chamamos, e daí até casa, que podia ser logo ali, como mais além.
Só que, ao contrário da vida na ilha que era "wild and free", e ao passarmos pelas casas dávamos de vaia - que é como quem diz, cumprimentávamos - a toda a gente e nos encontrávamos na praia sem que, para isso, fosse necessário um telefonema com um "onde estás?", a vila hoje estava deserta. Ou, pelo menos por onde andei...
As saídas agora são feitas com contenção. Com regras. Com precaução. Algo que pouca gente já viveu, com certeza.
Estacionei o mais perto que pude da farmácia onde tinha de ir e percorri a pé, não mais que duas ou três ruas completamente desertas. É um vazio que arrepia. É frio. É pesado. Dói na alma e mete medo.
Este sentimento é estranho, logo eu que gosto de espaços vazios, sem pessoas, para fotografar. Num outro contexto teria sido uma paisagem de sonho... Eu, a máquina fotográfica e uma paisagem urbana nua de gente! Se soubessem as vezes que desejei por isto. E agora? Nem vontade tenho de pegar na camera.
Cheguei à farmácia. A porta está fechada a sete chaves e o atendimento é feito por uma pequena janela de serviço nocturno, mesmo ao virar da esquina. Tiro uma senha e aguardo a minha vez. Em silêncio. Atrás de mim chegam duas pessoas que, pelo aspecto, pertencem ao dito grupo de risco. Dou-lhes a minha vez. Dizem que não, que não é preciso. Insisto e acabam por aceder.
Medicamentos para a tensão. Medicamentos para o colesterol. Um creme gordo para cicatrizes.
São estes os pedidos que oiço. Apercebo-me, pelo que escuto que um deles é doente oncológico... Um outro, com um ar resignado e triste, desabafa, mantendo a distância de resguardo: Tiram-nos tudo. O pouco que já temos, e agora a nossa liberdade. Nem conversar ou estar com os amigos podemos...
É como se lhes tirassem o ar que, ainda, entra nos pulmões.
Fiquei a matutar. É difícil ser-se velho, mas a solidão ainda é pior. Ser-se velho e só é de uma atrocidade dantesca. E uso a palavra velho de uma forma carinhosa, sem qualquer desprezo. Quisera eu chegar àquelas idades e ser velha.
Disciplinar estes velhos em tempo de "guerra" é duro, sim. Mas também é tirar-lhes a vida que ainda lhes resta.
Confesso que não me assusta a velhice nem a morte. Assusta-me a dor e a solidão.
Uma hora e meia depois regresso, pelas mesmas ruas vazias, silenciosas, pesadas.
Dentro de uns dias voltarei à vila. Por ora, vou-me mantendo no meu campo, a cuidar que os meus se portem bem, e onde o meu avô, há 74 anos plantou corações na calçada, que só agora descubro. Obrigada Avô Zé, por este mimo e aconchego.
Olá! Eu já completei uma semana de "clausura" em casa. Os primeiros dias doente, mas agora já estou melhor e em Teletrabalho.
ResponderEliminarSenti-me a pior pessoa do mundo, por não poder dar atenção aos meus filhos, por nem conseguir fazer o almoço... o meu marido está na mesma condição que eu, mas tem um trabalho diferente...
Seja o que Deus quiser, estes próximos tempos...
Beijos e abraços.
Sandra C.
Sandra, temos de ter fé de qu etudo vai terminar bem <3
EliminarAqui já estamos em casa há duas semanas.
Beijinhos