A vida 2.0

A Ana é a minha segunda convidada. Conheço-a há anos - sem a conhecer na realidade - mas adoro a sua escrita directa, acutilante e sem papas na língua. O seu texto, segundo a própria, foi inspirado na imagem abaixo a qual publiquei há dias no Instagram.

Em 10 anos a terra deu muitas voltas e a vida 2.0 na blogosfera evoluiu. Para o bem e para o mal.

Vou ser franca, tenho saudades da blogosfera de há 8/10 anos. Eramos todos mais honestos. Escrevíamos o que nos ía na alma. Os blogs que tínhamos eram o reflexo do que vivíamos e fazíamos. "Ah, mas agora também é assim", dirão vocês. Não. Nem pensar. Os blogs viviam de nós. Agora somos nós que vivemos para os blogs. A vida pára porque há que partilhar, estar em cima do acontecimento. Não damos os bons dias a quem nos aparece na cozinha, porque estamos preocupados com a mesa do pequeno almoço. Vestimo-nos a pensar nos likes que nos vão fazer e não a pensar no que realmente nos apeteceria vestir. O almoço é escolhido a dedo para que todos vejam que também comemos sushi. Abrimos blogs para "sacar umas coisas". Publicamos posts em cima de posts que só são lidos na diagonal. Não se filtra, não se pensa duas vezes antes de escrever. Percebe-se ao longe quando uma marca faz uma campanha com blogs, os posts são todos iguais. Despeja-se porque "o que interessa é publicar". É tudo esquecido ao fim de 10 segundos. Isto cansa.

Vamos lá a ver: não sou pelo mostrar TUDO o que se passa na nossa vida. Se tiro uma foto para publicar, desvio a tábua de passar a ferro cheia de roupa que está ao fundo. Tira-se a confusão que vai na banca da cozinha. Até aí tudo bem. O que me faz confusão é esta vida 2.0 que não vivemos mas que queremos que os outros achem que sim. Para quê?

Tragam de volta a originalidade e o escrever-do-fundo-do-coração. A vida genuína da qual fazem partes meias de leite e torradas queimadas a pingar manteiga. Empadão com restos do dia anterior. Faz-nos falta isto. A inspiração do dia a dia, a espontaneidade das pessoas que nos inspiram a ser melhores e a querer fazer coisas novas todos os dias. É verdade que está tudo feito, não há nada mais a ser inventado, mas podemos ser originais, ou não? Que tal tentarem escrever um post que seja sobre aquilo que vos apetece mesmo? Nem que seja para gabar as sardinheiras da varanda da vizinha. Vamos a isso?

Precisam-se blogs originais, com alma. E é por se precisar que eu cá continuo na minha luta. Dá-me um gozo tremendo escrever sobre o que me apetece, da forma que eu quero. Também me dá um gozo tremendo fazer posts mais genéricos, falar de loiça ou dos sapatos que me ficaram na cabeça. Este equilíbrio totalmente desequilibrado faz com que me sinta feliz quando olho para trás e vejo o que já fiz e faz-me ter a certeza que vou continuar por cá durante muitos e bons anos (podia ser "até que a voz me doa" mas não tem muito a ver).

Ao Pano pra Mangas e à Margarida peço que andem por cá por mais 10 ou 20 anos. São mais do que merecidos os parabéns pela originalidade e pela alma que hoje é dia é tão difícil encontrar. Não me envergonha nada dizer que este foi um dos blogs que me levou a fazer um blog e que ainda hoje me inspira muitíssimo.

Pano p'ra Mangas

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